CPI investiga possibilidade de mulher que levou adolescente a presídio trabalhar para facções criminosas
Fonte: Jornal Amazônia (29/09/2011)
Os deputados estaduais da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tráfico Humano investigam a hipótese de que a mulher identificada até agora como "Ane", que está sendo procurada pela Polícia, possa estar a serviço de facções criminosas que atuam nos presídios do Pará. Se confirmada a possibilidade, o papel dela seria o de levar mulheres, adultas e adolescentes, para fazer programas sexuais com os detentos como "prêmio" oferecidos pelas organizações, entre as quais o temido PCC (Primeiro Comando da Capital), com forte atuação nas cadeias de São Paulo e presente em outras capitais.
A informação foi dada, ontem, pelo deputado Carlos Bordalo (PT). À tarde, ele e os também deputados João Salame (PPS), que é o presidente da CPI, Celso Sabino (PR), Edilson Moura (PT) e Edmilson Rodrigues (Psol) ouviram os depoimentos de dois presos, quatro agentes prisionais e dois dirigentes do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Pará, aos quais os agentes são filiados. Os parlamentares investigam a denúncia de tráfico humano dentro da Colônia Agrícola Heleno Fragoso, onde uma adolescente de 14 anos disse que foi abusada sexualmente pelos internos durante quatro dias.
Segundo as apurações, a adolescente foi aliciada por "Ane". Dos oito presos acusados de estuprá-la, cinco foram autorizados pela juíza da 1ª Vara de Execução Penal, Maria de Fátima Alves da Silva, a comparecer à Assembleia Legislativa para serem ouvidos pela CPI. Os demais acusados estão sob a jurisdição de outra Vara da Justiça, a 2ª. Dos cinco, dois foram ouvidos. Os demais foram dispensados.
Serviços - O deputado Bordalo afirmou que uma hipótese investigada é de que "Ane" agenciava as mulheres a pedidos dos próprios presos "para provê-los de serviços sexuais". Para o parlamentar, o relato da jovem de 14 anos indicava os presos tinham preferência por adolescentes. "Ou, então (e essa é a segunda hipótese), a ‘Ane’ é agente de uma facção criminosa que existe em outros presídios, cujo prêmio é oferecer os serviços sexuais aos seus integrantes. Serviços que vêm de fora para dentro. De qualquer forma, ambas as hipóteses levam para uma rede de tráfico humano. Seja ela a aliciadora que recebe pelo serviço, recruta e transporta mulheres, algumas adolescentes, para vendê-las, ou sendo ela agente dessas facções criminosas". Relator da comissão, Bordalo disse ainda que a CPI tem informação de que a agenciadora receberia até R$ 500 em um final de semana pelos serviços prestados aos detentos. E que cada mulher, adulta ou adolescente, recebia R$ 20 por programa sexual.
Em relação aos depoimentos dados ontem, o presidente da comissão parlamentar, João Salame, afirmou: "A gente observa que parece que há um certo pacto do silêncio, pretendendo de alguma maneira esconder alguma coisa", afirmou, dizendo que desse pacto fazem parte tanto os agentes prisionais como presos. "O que esse caso (o da adolescente) revela é que há todo um sistema paralelo no sistema penitenciário, com a entrada de drogas, celulares armamentos, adolescentes para programas sexuais, meninas de programas. Isso é uma realidade do sistema carcerário no Pará, o que mostra a fragilidade do sistema".
Segundo o deputado, há penitenciárias que já não suportam a quantidade de detentos que abrigam. "Temos casa penal com capacidade para 150 vagas, mas que 500 presos. Não tem número suficiente de agentes prisionais para atender todas essas demandas. A tecnologia é inexistente, para coibir entrada de celulares e de corpos estranhos, humanos ou não, ao sistema", disse.
Salame põe em xeque o silêncio nas cadeias
O deputado João Salame comentou sobre o suposto pacto de silêncio nas penitenciárias. "Primeiro, há esse pacto porque isso é um negócio. Alguém ganha dinheiro com isso, os agenciadores que levam as adolescentes para dentro. Existe certamente algum marginal que se beneficia disso, que faz a ponte com os agenciadores. E, na cadeia, há a lei de Talião. Se você entrega, você vai ser punido por quem você delatou. Há o código de silêncio entre os presos, que é muito difícil de ser quebrado. É preciso muita investigação, pegar depoimentos, para ver as contradições", disse.
Ele citou, como exemplo, o depoimento do primeiro detento ouvido ontem pela CPI. Inicialmente, ele afirmou nunca ter visitado o igarapé que há na área da colônia agrícola, e para o qual os presos iam para se encontrar com as mulheres e consumir bebidas alcoólicas e drogas. Depois, ao ser questionado pelos deputados, o interno voltou atrás e admitiu que já tinha ido uma vez ao igarapé. João Salame disse que tudo isso dificulta as investigações. "Infelizmente, alguns agentes prisionais estão envolvidos na prática desta irregularidade. E, com seu silêncio, contribuem para impedir que a gente detecte o que de fato está acontecendo de errado no sistema penitenciário. À boca pequena todo mundo comenta sobre a entrada de drogas, de celulares e de mulheres para fins de atividade sexual, e também, sobre as fugas de presos. É comum. Agora, botar a mão em que está praticando é a nossa grande dificuldade. No caso da adolescente, está-se reproduzindo o que vem ocorrendo costumeiramente no sistema penal", afirmou.
Para parlamentar, crimes eram tolerados nas penitenciárias
Em relação aos agentes que depuseram ontem, e que foram exonerados por conta da presença da adolescente na colônia agrícola, Salame disse que esses funcionários afirmaram que não estavam de plantão no dia. O problema com a adolescente ocorreu na sexta-feira (16 de setembro) e eles assumiram o plantão no sábado. "Vamos chamar os que estavam de plantão no dia", disse. Salame afirmou que havia três equipes de agentes prisionais e que não é possível que nenhum deles não soubesse sobre a existência da adolescente na casa penal. "Até os presos admitem que a adolescente esteve lá. Não é possível que nenhum agente penitenciário tenha sabido disso. Se, evidentemente, algum agente soube disso e não comunciou ao chefe de segurança, faltou com seu dever. E, se o chefe o segurança soube foi avisado e não comunicou ao seu diretor, também faltou com seu dever".
Ex-diretor - Segundo o parlamentar, é preciso identificar quem efetivamente sabia da existência dessa adolescente lá dentro. "E vamos descobrir isso, porque os presos já estão abrindo a boca, já estão abrindo o bico. Estão dizendo que viram. Se viram, é impossível que algum agente penitenciário não tenha visto. Vamos procurar ouvir todos os agentes até a gente descobrir a verdade", disse. Ele também falou que os deputados da CPI irão ouvir ainda o ex-diretor da colônia.
Em documento datado do dia 1º deste mês, e endereçado à direção da Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe), eis o que escreveu o então diretor da colônia, Andrés de Albuquerque Núnez: "Informo, em caráter de urgência, que adolescentes estão frequentando a Colônia Agrícola nos finais de semana. Não permitiremos que esta casa torne-se uma casa de prostituição. Para tanto, peço ajuda a fim de solucionarmos este problema o mais rápido possível. Aproveito ainda para lhe solicitar nova revista o mais depressa possível, pois temos a informar da presença de arma de fogo nos alojamentos. Fato este comunicado pelos agentes prisionais que tiram serviço na guarita Delta I, que vêm sendo ameaçados pelos detentos que empreendem fuga". Os próximos depoimentos deverão ocorrer na próxima semana.
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